Política

Procuradores criticaram ida de Moro para ministério

Vazamentos de diálogos mostram que membros da Lava Jato temiam que associação de ex-juiz com Bolsonaro desgastasse imagem da operação. “'Bozo' é muito mal visto. Se juntar a ele vai queimar o Moro”, disse procuradora

Por Deutsche Welle 29/06/2019 18h06
Procuradores criticaram ida de Moro para ministério
Bolsonaro e moro ganharam camisas do Flamengo durante a partida - Foto: Reprodução

Uma série de novos diálogos divulgados neste sábado (29/06) pelo site The Intercept Brasil indicam que procuradores do Ministério Público Federal, entre eles membros da força-tarefa da Lava Jato, criticaram a ida do ex-juiz Sergio Moro para o governo Bolsonaro.

Segundo o site, as mensagens foram trocadas por procuradores em grupos do aplicativo Telegram entre o final de outubro e o início de novembro de 2018, época em que Moro anunciou sua saída da magistratura para assumir cargo ministerial no governo do então presidente eleito.

Nos diálogos, os procuradores também manifestam preocupação de que a decisão do ex-juiz de aceitar um cargo governamental pudesse arranhar a imagem da Lava Jato e levantar acusações de politização da operação.

Segundo o site, em uma conversa em um grupo de membros da Lava Jato em Curitiba, o procurador Antônio Carlos Welter, membro da operação, disse em 31 de outubro que a ida de Moro corria o risco de soar publicamente como uma virada de postura "incompatível com a de Juiz”.

"Se aceitar vai confirmar para muitos a teoria da conspiração. Vai ser um prato cheio. As vezes, o convite, ainda que possa representar reconhecimento (merecido), vai significar para muita gente boa e imparcial, que nos apoia, sem falar da imprensa e o PT, uma virada de mesa, de postura, incompatível com a de Juiz.

No mesmo dia, de acordo com o site, a procuradora Laura Tessler, também membro da operação em Curitiba, criticou Moro pela decisão:

"Acho péssimo. MJ (Ministério da Justiça) nem pensar… além de ele não ter poder para fazer mudanças positivas, vai queimar a LJ (Lava Jato). Já tem gente falando que isso mostraria a parcialidade dele ao julgar o PT. E o discurso vai pegar. Péssimo. E Bozo é muito mal visto… se juntar a ele vai queimar o Moro.”

Outro procurador da força-tarefa, Andrey Borges de Mendonça, concordou. "Para ministro do stf, acho otimo. Para ministro da justiça acho que vai dar azo – com razão – a argumentos de politização da lava jato”, disse Mendonça, segundo o material publicado pelo The Intercept. "Lembro de um promotor italiano em um artigo q falava sobre maos limpas. Terminava dizendo: e nunca entrem na política”.

Um dos diálogos divulgados pelo The Intercept indica que até mesmo coordenador da força-tarefa em Curitiba, Deltan Dallagnol, se mostrou preocupado com a decisão de Moro de se juntar ao governo Bolsonaro.

Em uma conversa privada com a procura Janice Agostinho Barreto Ascari, da Lava Jato de São Paulo, Dallagnol contou, segundo o site, que fez uma "ponderação" a Moro sobre o convite de Bolsonaro.

"Não acredito que tenham fundamento, mas tenho medo do corpo que isso possa tomar na opinião pública. Na minha perspectiva pessoal, hoje, Moro e LJ estão intimamente vinculados no imaginário social, então defender o Moro é defender a LJ e vice-versa. Ainda que eu tenha alguma ponderação pessoal sobre a saída dele, que fiz diretamente a ele, é algo que seria importante – se Vc concordar – defender…".

No material, a procuradora aparece respondendo: "Nosso pensamento é convergente".

Críticas de outros procuradores ao convite

Procuradores não ligados ao núcleo da Lava Jato em Curitiba também aparecem no material divulgado pelo The Intercept fazendo críticas a Moro pela decisão de aceitar o ministério.

"Acho importuno”, disse José Augusto Simões Vagos. Membro da Lava Jato no Rio de Janeiro. "Será difícil, muito difícil, hoje e provavelmente no futuro, com a assunção de Moro ao MJ, afastar a imagem de que a LJ integrou o governo de Bolsonaro. Vejo, por esse motivo, com muita preocupação esse passo do Moro”, respondeu o procurador Sérgio Luiz Pinel Dias, também da Lava Jato do Rio.

A procuradora Janice Ascari também aparece em uma conversa do grupo "Winter is Coming” fazendo novas críticas ao ex-juiz. "Moro se perdeu na vaidade. Que pena", disse ela, segundo o site.

"Ele se perdeu e pode levar a Lava Jato junto. Com essa adesão ao governo eleito toda a operação fica com cara de "República do Galeão”, uma das primeiras erupções do moralismo redentorista na política brasileira e que plantou as sementes para o que veio dez anos depois”, respondeu o procurador João Carlos de Carvalho Rocha, que atua em Porto Alegre.

Segundo o Intercept, Ascari respondeu: "Se Moro topar ser MJ, para mim será a sinalização de estar de olho na próxima campanha presidencial.”

Outras mensagens também mostram outros procuradores comentando notícias da época das eleições. Em um dos diálogos, no grupo "BD”, o procurador José Robalinho Cavalcanti, que já foi presidente da Associação Nacional de Procuradores da República, chama de "erro crasso" o fato de a mulher de Moro, Rosângela, ter celebrado em suas contas em redes sociais a vitória de Bolsonaro no segundo turno. "Compromete moro. E muito". Janice Ascari responde: "Moro já cumprimentou o eleito. Como perde a chance de ficar de boa, pqp”.

Críticas à conduta de Moro

Outros diálogos revelados pelo The Intercept também mostram outros membros do Ministério Público Federal – neste caso não ligados à operação ou a algum dos seus desdobramentos  – fazendo acusações sobre a conduta de Moro à frente da Lava Jato no grupo de Telegram "BD”.

"Moro viola sempre o sistema acusatório e é tolerado por seus resultados”, disse um dos interlocutores, identificada como a procuradora Monique Checker, que atua em Petrópolis (RJ), no dia 1° de novembro de 2018, justamente a data em que foi confirmada a ida de Moro para o governo Bolsonaro.

"Moro é inquisitivo, só manda para o MP quando quer corroborar suas ideias, decide sem pedido do MP (variasssss vezes) e respeitosamente o MPF do PR sempre tolerou isso pelos ótimos resultados alcançados pela lava jato”, completou ela.

Seu interlocutor é apenas identificado como "Ângelo”. Na versão do texto que estava no ar na tarde de sábado, ele não é identificado por sobrenome. No diálogo, Ângelo afirma: "Cara, eu não confio no Moro, não. Em breve vamos nos receber cota de delegado mandando acrescentar fatos à denúncia. E, se não cumprirmos, o próprio juiz resolve. Rs".

Inicialmente, o jornalista americano Glenn Greenwald, fundador do site The Intercept Brasil, havia publicado na madrugada de sábado em sua conta no Twitter uma prévia da matéria. Nela, Ângelo foi identificado como Ângelo Goulart Villela, um procurador ligado à Rodrigo Janot que caiu em desgraça em 2017 e chegou a ser preso depois de ser acusado de vender informações para os irmãos Joesley e Wesley Batista, da JBS.

A versão final publicada pelo site, no entanto, apagou o sobrenome e não identificou mais "Ângelo” como o procurador Goulart, mas parece sugerir que se trata de Ângelo Augusto Costa, um procurador de São José dos Campos (SP).

Greenwald ainda afirmou que a matéria revelaria que "até mesmo os promotores da Lava Jato sabiam e reclamavam sobre as contínuas transgressões éticas de Moro e a conduta politizada e corrupta como juiz”. No entanto, a reportagem publicada mais tarde só mostrou os procuradores efetivamente ligados à Lava Jato reclamando de Moro ter aceitado cargo ministerial e se associado com Bolsonaro.

Mais tarde, Greenwald disse que a troca de sobrenomes de "Ângelo” foi "um erro de edição apanhado pela checagem de fatos antes da publicação”.

Somado a um erro de data, que indicava um diálogo como tendo ocorrido em "28 de outubro de 2019” - e não 2018 - a troca de nomes acabou sendo explorada por defensores de Moro e Bolsonaro nas redes sociais. Eles aproveitaram a ocasião para lançar acusações de que o site vem "editando” os diálogos, apesar de que reportagens da imprensa mostrarem que algumas conversas reveladas pelo site entre o ex-juiz e procuradores da Lava Jato, que contêm instruções e conselhos, se traduziram em ações efetivas no andamento dos casos, segundo indicam registros. 

O próprio Moro manifestou uma postura ambivalente sobre o diálogos. Ele já disse que não reconhece a autenticidade dos diálogos revelados, mas ao mesmo tempo falou que o material revelado até agora não atestou nenhuma conduta ilegal. Ele também chegou a classificar como "descuido” ter indicado duas testemunhas para a força-tarefa, conforme descrito em um diálogo publicado pelo The Intercept.

Neste sábado, Moro, porém, foi mais incisivo sobre as mensagens também explorou os erros iniciais de edição da mais recente reportagem do Intercept.

"A matéria do site, se fosse verdadeira, não passaria de supostas fofocas de procuradores, a maioria de fora da Lava Jato. Houve trocas de nomes e datas pelo próprio site que as publicou, como demonstrado por OAntagonista”, escreveu o ministro no Twitter.

"Isso só reforça que as msgs não são autênticas e que são passíveis de adulteração. O que se tem é um balão vazio, cheio de nada. Até quando a honra e a privacidade de agentes da lei vão ser violadas com o propósito de anular condenações e impedir investigações contra corrupção?”

Pressão contra petista

Paralelamente à publicação da reportagem pelom The Intercept, o jornal Folha de S,Paulo também revelou mais diálogos de membros da Lava Jato.

Neles, o coordenador da força-tarefa em Curitiba, Deltan Dallagnol indicou, perto do segundo turno das eleições de 2018, que era preciso acelerar ações contra o então senador eleito Jaques Wagner (PT), que à época coordenava a campanha de Fernando Haddad à Presidência.

Nas mensagens, Dallagnol apareceu defendendo que a força-tarefa da expeça um mandado de busca e apreensão contra Wagner "por questão simbólica”.

Em um dos trechos, Dallagnol pergunta em um grupo: "Caros, Jaques Wagner evoluiu? É agora ou nunca… Temos alguma chance?”.

Outro procurador identificado como Athayde – provavelmente Athayde Ribeiro Costa, da força-tarefa em Curitiba – respondeu: "As primeiras quebras em face dele não foram deferidas”. Mas novos fatos surgiram e eles iriam "pedir reconsideração”. Deltan devolveu: "Isso é urgentíssimo. Tipo agora ou nunca kkkkk”. Segundo o jornal, os diálogos ocorreram em 24 de outubro, apenas quatro dias antes do segundo turno.

Uma procuradora argumentou que o petista Wagner já havia sido alvo de uma busca antes: "Nem sei se vale outra”. "Acho que se tivermos coisa pra denúncia, vale outra BA (busca e apreensão) até, por questão simbólica”, pondera Dallagnol. "Mas temos que ter um caso forte”. Athayde respondeu que seria "mais fácil” Wagner aparecer "forte” em outro caso, e Deltan finalizou: "Isso seria bom demais”.