Justiça

Lava-Jato buscou acesso 'informal' a dados da Receita, revelam diálogos

Procuradores mantinham um auditor da Receita Federal como “informante”, sugerem mensagens vazadas

Por FolhaPress 18/08/2019 14h02
Lava-Jato buscou acesso 'informal' a dados da Receita, revelam diálogos
Deltan Dallagnol diz que "filhotes" da Lava Jato devem se espalhar por diversos Estados - Foto: Luis Macedo - Câmara dos Deputados

O site The intercept Brasil, em parceria com o jornal Folha de S.Paulo, divulgou nesta domingo (18) novos diálogos vazados entre procuradores da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba pelo aplicativo Telegram.

As mensagens mostram que a Lava-Jato articulou para ter acesso “informal” a dados sigilosos de pessoas investigadas por meio da Receita Federal e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

O líder da força-tarefa, Deltan Dallagnol, teria solicitado mais de uma vez a cooperação de Roberto Leonel, na época chefe da área de inteligência da Receita em Curitiba, para descobrir detalhes financeiros de pessoas investigadas.

Porém, esses pedidos não eram formalizados por meio de qualquer documento. Nem sequer havia autorização jurídica para a quebra de sigilo bancário, o que é contra lei. Toda cooperação entre Receita, Coaf e o MP precisa ser documentada.

Leonel assumiu a presidência do Coaf no início do governo de Jair Bolsonaro, por indicação do ministro da Justiça e Segurança Pública e ex-juiz de Curitiba, Sergio Moro. Segundo informações do jornalista Josias de Souza, do Uol, porém, a proximidade de Leonel com a Lava-Jato teria motivado Bolsonaro a demiti-lo do cargo, o que ainda não foi confirmado.

Os procuradores recorreram a Leonel diversas vezes enquanto investigavam as reformas executadas por empreiteiras no sítio de Atibaia (SP), atribuído pela Lava-Jato ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - acusação que lhe rendeu sua segunda condenação na Justiça.

Em 15 de fevereiro de 2016, Dallagnol escreveu em um chat de grupo no Telegram a outros procuradores: “Vcs checaram o IR de Maradona [apelido de Elcio Pereira Vieira, o caseiro do sítio]? Não me surpreenderia se ele fosse funcionário fantasma de algum órgão público [sic]”.

O procurador Julio Noronha respondeu: “Não olhamos… Vou colocar na lista de pendências”. A isto, Dallagnol respondeu: “Pede pro Roberto Leonel dar uma olhada informal”.

Em outra ocasião no dia 24 de maio de 2017, Leonel diz em um chat privado com Dallagnol que havia sido questionado por Gerson Schaan, chefe da Coordenadoria de Pesquisa e Investigação (Copei), pelo aparente vazamento de informações.

Segundo Leonel, Schaan queria saber por que ele abriu uma representação contra o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures. “Fiz hj representação para srrf08 contra os pais do Rodrigo copiando Gerson normalmente Ele quis saber pq fiz etc e se tinha passado está inf a vcs [sic]”, escreveu Leonel a Dallagnol em privado.

Logo em seguida, emendou: “Disse q NUNCA passei pois não tem origem ilícita suspeita !!! Por favor delete este assunto por enquanto [sic]”. Dallagnol respondeu: “Vc fez bem [sic]”.

Em outra conversa, Dallagnol pede acesso a uma lista mais ampla de contribuintes da Receita Federal que aderiram ao programa de repatriação de dinheiro mantido no exterior. “Se eu pedir para consultar todos os nomes, Vc não tem como assegurar que o Paulo não vá ter acesso? [sic]”, questionou o procurador.

Paula, segundo o Intercept e a Folha, é chefe da Coordenadoria de Programas e Estudos (Copes) da área de fiscalização, Paulo Cirilo dos Santos Mendes, um dos responsáveis por controlar quais auditores da Receita têm acesso aos dados de repatriação.

“Não tenho como garantir q a copes não vá ter acesso [sic]", respondeu Leonel. No dia seguinte, ele sugere que Dallagnol faça um pedido formal de dados de repatriação, mas com uma lista mais restrita: “Envie ofício com eventual exclusão dos mais sensíveis e ainda sob sigilo e dai veremos como proceder”.

O que diz a Lava-Jato e a Receita

Em nota, a assessoria de imprensa da Lava-Jato disse que é “perfeitamente legal —comum e salutar no combate ao crime organizado— o intercâmbio de informações entre o Ministério Público Federal e a Receita no exercício das funções públicas de apuração de fatos ilícitos de atribuição dos órgãos”.

Mesmo assim, os procuradores não confirmam se as mensagens são verdadeiras ou não. “O material é oriundo de crime cibernético e tem sido usado, editado ou fora de contexto, para embasar acusações e distorções que não correspondem à realidade”, diz a nota.

A Receita Federal afirmou que o Ministério Público Federal "tem o poder de requisitar informações protegidas por sigilo fiscal” e que todos os servidores do órgão “estão sujeitos ao sigilo fiscal e respondem administrativa, cível e criminalmente em caso de vazamento doloso”.